terça-feira, 9 de outubro de 2012



O primeiro “adelantado” do Rio da Prata ou Paraguai.

D.Pedro de Mendoza (1487-1537)
                        A viagem de Caboto fornecerá, todavia, à coroa espanhola novas informações sobre a região, assim como outra, realizada com o objetivo explícito da busca daqueles metais, a cargo de Diego Garcia.  Carlos V  decide então  autorizar um “rico e influente” membro de sua corte, D. Pedro de Mendoza, a organizar uma grande expedição, composta de 14 navios e mais de 1300 tripulantes, que parte para o Novo Mundo em 1535 37. Mendoza é nomeado formalmente por aquele poderoso rei da Espanha (e imperador do Sacro Império Romano) “Adelantado do Rio da Prata” (o “adelantado” na América era a primeira autoridade política e administrativa; na Espanha do passado recebia esse título o nobre encarregado de expulsar o invasor árabe do território espanhol: o Rei lhe “adiantava” o governo daquela porção do território que seria resgatada) 38.  A abrangência das terras concedidas a esse Adelantado era vasta, ocupando boa parte da América do Sul, abaixo da linha do equador, excluindo-se a área do Brasil (a leste do meridiano de Tordesilhas), as governadas por Pizarro e Almagro, a oeste, na costa do Pacífico, e a Província del Estrecho, ao sul 39.  Após 1569, delas deveriam ser deduzidas também as concessões a Pedro de Silva (oeste da Venezuela e parte da Colômbia) e Diego de Serpa (Guaianas, leste venezuelano). As terras concedidas a D. Pedro de Mendoza são as que se designariam depois por “Província Gigante del Río de la Plata o Paraguay”, com uma área  vinte vezes maior que a do Paraguai atual 40. Nelas estava incluída boa parte do atual território brasileiro, inclusive o território hoje paranaense que logo seria conhecido como do Guairá (v. mapa nº 1).



                                                


            Nosso território estava incluído na região compreendida entre os paralelos de 25º e 36º de latitude sul (vale dizer, de Cananéia ao Rio da Prata) que D. Pedro de Mendoza fora autorizado a “conquistar e povoar” pela Capitulação celebrada em 1534 entre o imperador Carlos V e ele próprio, como afirmam Westphalen, Cecília Maria e Balhana, Altiva Pilatti em  “Presença Espanhola no Paraná- séculos XVI e XVII” (op cit, p. 377).

            Na margem inferior do Rio da Prata, Mendoza manda construir o forte de Santa Maria de Buenos Aires, em 1536 (“simples aglomerado de cabanas, cobertas de palha”) 41. Juan  de  Ayolas   é   encarregado   por  ele   de  comandar  expedição para encontrar um caminho ao Alto Peru. Sobe o rio Paraná e depois o Paraguai, seu afluente, encontrando um porto natural, que é batizado de Candelária. Aí deixa Domingo Martínez de Irala no comando de 30 homens, aguardando-o, e ruma para as “sierras de la Plata” internando-se no Chaco, do qual  não mais voltará (ele juntamente com outros espanhóis e os índios que o acompanhavam caíram vítimas dos paiaguá, inimigos dos guarani) 42. Como os meses passassem, e não recebesse notícias dele, Mendoza manda Juan Salazar de Espinosa em busca de Ayolas, mas ele só encontra Irala, ainda o aguardando. Após reparos em seus dois navios num porto mais ao sul, Irala regressa para o local anterior e continua aguardando Ayolas, enquanto Salazar desce o rio Paraguai e perto da confluência deste com o Pilcomayo funda o forte que daria origem à cidade de Assunção (1537). D. Pedro de Mendoza, doente, ao retornar à Espanha designa Juan de Ayolas seu substituto no governo da região. Com o desaparecimento deste, Irala impõe-se como seu líder pela vontade dos habitantes (havia uma “Cédula Real” que previa a eleição popular do governador naquelas circunstâncias), assumindo o governo em 1539 43. Dada a hostilidade dos índios querandi 44, Irala manda despovoar Buenos Aires, concentrando a população em Assunção, que considerava mais estratégica e situada no limite ocidental extremo da região dos índios guarani, seus aliados. Consolida-se assim a posição de Assunção como sede do governo de todo aquele “Paraguay Gigante de las Indias”, tal como consta na designação do segundo “adelantado”,  D. Alvar Nuñes Cabeza de Vaca, nomeado pelo Rei da Espanha 45 (a expressão curiosa incorporada ao seu sobrenome devia ser para ele motivo de orgulho pois lembrava  fato heróico de um de seus antepassados, que assinalara, com o crânio de uma vaca, uma passagem estratégica aos exércitos dos reis de Castela, Aragon e Navarra, o que possibilitou a vitória desses exércitos na batalha de Navas de Tolosa em 1212. Os reis então lhe concederam  “o título de nobreza que mudaria definitivamente o nome da família”) 46


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37 “Aportes de Benjamín Velilla a la Historia del Paraguay“. María Margarita Velilla Talavera (compiladora).  Asunción: Ediciones y Arte S.R.L, 2005- p. 76.  Gadelha cita Ulrico Schmidl, soldado alemão participante da expedição, segundo o qual esta “se compunha de 14 embarcações, conduzindo 72 cavalos e éguas, 2500 espanhóis e 150 indivíduos de origem alemã, saxônica e flamenga” (Gadelha, Regina Maria A.F.-- “As missões...”, op cit, pp. 88 e 124, notas 84 e 41, respectivamente).  De acordo com o “Dicionário Histórico-Biográfico do Estado do Paraná”, Schmidl bem mais tarde, em 1553, percorrerá a pé o trajeto de Assunção a São Vicente (SP), seguindo o sistema de caminhos do Peabiru. Dessa viagem deixou um relato, publicado em Nuremberg em 1599 (“Dicionário Histórico-Biográfico do Estado do Paraná”. Curitiba: Chain/Banco do Estado do Paraná, 1991-p.54 e 261-262). Atravessa  assim o território paranaense de oeste a leste, num sentido inverso ao da viagem de  Cabeza de Vaca em 1541-1542, a qual será abordada no próximo tópico deste trabalho.  Antes de Schmidl, Cristobal de Saavedra, em 1551 e Hernando de Salazar, em 1552, também “percorreram os caminhos indígenas do Paraná”. Em 1554, Ruy Díaz Melgarejo fez a viagem de Assunção ao litoral paulista, e no ano seguinte, do litoral catarinense a Assunção (cf  Westphalen, Cecília Maria e Balhana, Altiva Pilatti--  “Presença Espanhola no Paraná- séculos XVI e XVII”, p. 375-384, in “Un Mazzolino de Fiori”, v. III- Curitiba: Imprensa Oficial; Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, 2003- p. 378).  Cristobal de Saavedra e Hernando de Salazar viajaram por terra da costa de Santa Catarina até Assunção, para pedir o apoio de Irala à expedição (da qual faziam parte) de D. Mencia de Sanabria, viúva do terceiro “adelantado” nomeado, Juan de Sanabria (falecido antes de embarcar para o Novo Mundo), que até ali tinha chegado. Após tentativa de se estabelecer em S.Francisco, daí partiu, também viajando para Assunção pelo sistema de caminhos de Peabiru, em 1556, acompanhada de um certo número de homens e de “pelo menos 30 mulheres e crianças”, inclusive de  seu genro, o cap. Hernando de Trejo, considerado fundador de S.Francisco (v. adiante) o qual,  aliás, foi preso logo depois da chegada por ter abandonado essa colônia. D. Mencia, que  foi avó do governador Hernandarias, ainda viveria por muitos anos em Assunção  (cf Soares, Olavo-- “Uma mulher no caminho do Peabiru: história de Doña Mencía Calderón de Sanabria”. Curitiba: Editora do Chain, 2007- p. 39-50).
38 Vasconsellos, Victor Natalicio-- “Lecciones...”, op cit, p. 42
39  Id., ibid., p. 42
40 “Aportes de Benjamín Velilla...”- op cit, p.59 e 77.  
41 Vasconsellos, Victor Natalicio-- “Lecciones...”, op cit, p. 42; Mattoso, Antônio G.-- “Compêndio...”, op cit, p. 100
42 Vasconsellos, Victor Natalicio-- “Lecciones...”, op cit, p. 42-45;  Cabeza de Vaca-- op cit, p. 152 e nota na p.315; Gadelha, Regina Maria A.F.-- “As missões...”, op cit, p. 74 
43 Vasconsellos, Victor Natalicio-- “Lecciones...”, op cit, p. 44; Benitez, Luis G.-- “Manual de Historia...”, op cit, p.26
44 Gadelha inclui em sua obra citação de Ulrico Schmidl em que este afirma que os querandi a princípio receberam bem os espanhóis, trazendo-lhes diariamente pescado e carne. Mas depois, acrescenta a autora, “Quando se esgotaram os mantimentos dos índios e estes se recusaram a continuar alimentando os espanhóis, foram atacados pelos conquistadores que tencionavam torná-los seus escravos. Porém, os querandi resistiram pelas armas, fugindo em seguida. Esta prática de se aproximarem dos índios, consumirem seus mantimentos que compravam ou arrebatavam pela força, procurando em seguida escravizá-los, foi regra comum seguida pelos espanhóis.” (Gadelha, Regina Maria A.F.-- “As missões...”, op cit, p.73)
45 “Aportes de Benjamín Velilla...”, op cit, p. 59 e 77
46 Cabeza de Vaca-- “Naufrágios & Comentários”. Tradução de Jurandir Soares dos Santos. Prefácio de Henry Miller. Introdução por Eduardo Bueno. Porto Alegre: L& PM, 1999- p.17-18 

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