A
província do Guairá
Cabeza de
Vaca, como vimos, tomou posse em nome do Rei da Espanha do território atualmente paranaense, que
percorreu em sua viagem, seguindo em parte o caminho de Peabiru, que unia o
litoral paulista aos Andes (que antes dele Aleixo Garcia também teria seguido).
Deu a esse território o nome de “província de Vera”, em homenagem ao sobrenome
de seu avô paterno 50. Tal província logo passou a ser chamada do Guairá, nome que
acabou prevalecendo 51. Velilla não concorda com a explicação, dada por alguns
autores (originada de um “erróneo dato” de Ruy Díaz de Guzmán, o
primeiro historiador do Rio da Prata) de que o termo Guairá deriva do
nome de um cacique “que vivía en las sierras de Mbaracayú quando se fundó
Ontiveros en 1554” . Diz ele: “En los repartos de Encomiendas en
la zona, hechos por Irala, contemporáneos de la fundación de Ontiveros, no hubo
ningún cacique “Guairá” entre los veintisiete citados con sus respectivos
'fuegos' o tolderías (= acampamentos indígenas). El nombre era ya
largamente genérico y tradicional del território” 52.
Mas não dá outra explicação para a origem desse termo. Afirma, em outro lugar,
que “Guairá” referia-se a “el territorio y pueblo extendidos entre el río
Paraná y el océano Atlántico de oeste a este, y los ríos Paranapanema y el
Yguazú, de norte a sud”, área habitada então pelos índios guarani (os “guaraníes
guaireños”) 53. Tal território, na
concepção dos espanhóis, abrangia não só o do Estado do Paraná atual mas também
o litoral abaixo de Iguape, em que se destacava a estratégica ilha de Santa
Catarina, que servia de apoio para os conquistadores do Prata, batizada com
esse nome por Sebastián Caboto em homenagem a sua esposa, D. Catarina Medrano 54. Segundo Velilla, a costa do Oceano
Atlântico ocupada pelos guaireños é mencionada pelos primeiros cronistas como
Mbiazá ou Vyazá, área que também integrava o Guairá, como enfatiza o autor,
pois Cabeza de Vaca tomou formalmente posse dela, em 1541 55.
A
propósito, para Velilla, o termo “guarani”, embora não tenha (ou não tinha, na
época em que seu texto foi escrito) origem bem identificada, era, na opinião de
alguns autores, o modo como as
sociedades autóctones do
Norte do Brasil designavam os
habitantes do Guairá 56.
Cabeza de Vaca exerce o governo
durante um curto período, pois é destituído dele por uma rebelião de oficiais
reais partidários de Irala. Ao retornar de uma expedição ao interior, é preso e
enviado à Espanha, em 1544, onde é julgado e condenado a exílio na África 57.
Irala assim é reconduzido ao poder nesse mesmo ano, e governará até
1556, falecendo no ano seguinte.
Sobre ele, afirma Linhares:
(...) Irala não
mediu esforços para fazer do Paraguai a colônia mais florescente da Espanha,
dilatando- lhe os limites até onde o
vigor de seus homens o permitisse. Nos vários desbravamentos que fez, dirigiu-se rumo ao Leste, não
tardando a alcançar em 1554 as terras de Guairá, onde, segundo os cronistas, trezentos mil guairenhos o
receberam de braços abertos, em demonstração de hospitalidade realmente rara em tais ocasiões.58
50 Na Introdução aos “Comentários” afirma-se que
o avô de Cabeza de Vaca, “Pedro de
Vera, morto em 1500, foi o conquistador das ilhas Canárias e um dos heróis da
reconquista de Granada”- Cabeza de Vaca- “Naufrágios ...”, op cit, p. 17
51 “Aportes de Benjamín Velilla...”, op cit, p.
70
52 Id. , ibid., p.109-110.
Segundo consta na obra do padre Jurandir Coronado Aguilar, o termo Guairá vem
de Guay= “gente” e Ra= “lugar onde abunda”. Também consta aí que a estimativa
de sua população varia de 200 mil
(Bartomeu Melià) a 300 mil (J.A. Barendse) (cf Aguilar, Pe. Jurandir Coronado-- “Conquista Espiritual. A História da
Evangelização na Província Guairá na obra de Antônio Ruiz de Montoya, S.J.
(1585-1652)”. Editrice Pontifícia Università Gregoriana. Roma, 2002- p. 132)
53 Id. , ibid., p. 69
54 Id. , ibid., p. 74
55 Id. , ibid., p. 70
56 Id., ibid., p. 69
57 Cabeza de Vaca-- “Naufrágios...”, op cit, p.
25-26 (Introdução). Bueno afirma aí que
o processo contra o ex-“adelantado” continha trinta e seis acusações, “grande
parte das quais sem fundamento algum, conforme a opinião da absoluta maioria
dos historiadores”. Vasconsellos
indica as razões seguintes para a sua destituição do poder: “Las privaciones que hizo pasar a sus
subalternos (na expedição referida
acima) y el altanero trato que tenía para con ellos favorecieron la
subversión que secretamente alentaba Irala para recuperar el mando recibido de
Ayolas. Una vez de vuelta, fue apresado Alvar Nuñes por los partidarios de
Irala. Se le remitió a España bajo la acusación de que se hacía tratar como el
Rey de estas tierras” (Vasconsellos, Victor Natalicio-- “Lecciones...”, op
cit, p.49).
58 Linhares, Temístocles-- “História
Econômica do Mate”. Rio de Janeiro: José Olympio Ed, 1969- p.7. Mais adiante, o
mesmo autor afirma o seguinte:
“Anteriormente à vinda dos jesuítas, possuíam assim os espanhóis treze
pequenas colônias abaixo e acima dos saltos das Sete Quedas, organizadas sob a
forma de mitas, além das três
grandes de Ontiveros, fundada esta nas proximidades da confluência do
rio Iguaçu com o Paraná, em 1554, por Garcia Rodrigues de Vergara, primeira
povoação efetiva de europeus fixada em território hoje paranaense, segundo o
historiador Romário Martins; de Ciudad Real del Guairá, fundada em 1557 próxima
à foz do Piquiri, por Ruy Dias de Melgarejo e ordem do Governador Irala, quando
pela segunda vez no governo de Assunção; e de Vila Rica del Espírito Santo,
fundada em 1576, onde havia cem brancos e 150 mil índios guaranis e gualachos,
primeiro a duas léguas da barra do Ivaí e depois transferida para a foz do
Corumbataí.” (Id, ibid., p.19). Linhares afirma ainda que na parte
ocidental do rio Paraná havia outras mitas e possivelmente também yanaconas,
mais antigas, consistindo estas nas duas classes de encomiendas. Na
primeira, os índios prestavam serviços ao encomendero durante dois meses
por ano, enquanto na yanacona, a prestação de serviços era perpétua,
cabendo aos donos a “obrigação de alimentar aos encomendados, de
educá-los na religião cristã, de ensinar-lhes os ofícios e de cuidar dos
anciãos e enfermos” (Id., ibid., p. 18).
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