terça-feira, 9 de outubro de 2012


A província do Guairá


            Cabeza de Vaca, como vimos, tomou posse em nome do Rei da Espanha  do território atualmente paranaense, que percorreu em sua viagem, seguindo em parte o caminho de Peabiru, que unia o litoral paulista aos Andes (que antes dele Aleixo Garcia também teria seguido). Deu a esse território o nome de “província de Vera”, em homenagem ao sobrenome de seu avô paterno 50. Tal província logo passou a ser chamada do Guairá, nome que acabou prevalecendo 51Velilla não concorda com a explicação, dada por alguns autores (originada de um “erróneo dato” de Ruy Díaz de Guzmán, o primeiro historiador do Rio da Prata) de que o termo Guairá deriva do nome de um cacique “que vivía en las sierras de Mbaracayú quando se fundó Ontiveros en 1554. Diz ele: “En los repartos de Encomiendas en la zona, hechos por Irala, contemporáneos de la fundación de Ontiveros, no hubo ningún cacique “Guairá” entre los veintisiete citados con sus respectivos 'fuegos' o tolderías (= acampamentos indígenas). El nombre era ya largamente genérico y tradicional del território” 52. Mas não dá outra explicação para a origem desse termo. Afirma, em outro lugar, que “Guairá” referia-se a “el territorio y pueblo extendidos entre el río Paraná y el océano Atlántico de oeste a este, y los ríos Paranapanema y el Yguazú, de norte a sud”, área habitada então pelos índios guarani (os “guaraníes guaireños”) 53. Tal território, na concepção dos espanhóis, abrangia não só o do Estado do Paraná atual mas também o litoral abaixo de Iguape, em que se destacava a estratégica ilha de Santa Catarina, que servia de apoio para os conquistadores do Prata, batizada com esse nome por Sebastián Caboto em homenagem a sua esposa, D. Catarina Medrano 54. Segundo Velilla, a costa do Oceano Atlântico ocupada pelos guaireños é mencionada pelos primeiros cronistas como Mbiazá ou Vyazá, área que também integrava o Guairá, como enfatiza o autor, pois Cabeza de Vaca tomou formalmente posse dela, em 1541 55.

            A propósito, para Velilla, o termo “guarani”, embora não tenha (ou não tinha, na época em que seu texto foi escrito) origem bem identificada, era, na opinião de alguns autores, o modo   como   as   sociedades   autóctones   do   Norte  do Brasil designavam os habitantes do Guairá 56.

            Cabeza de Vaca exerce o governo durante um curto período, pois é destituído dele por uma rebelião de oficiais reais partidários de Irala. Ao retornar de uma expedição ao interior, é preso e enviado à Espanha, em 1544, onde é julgado e condenado a exílio na África 57.  Irala assim é reconduzido ao poder nesse mesmo ano, e governará até 1556, falecendo no ano seguinte.           

            Sobre ele, afirma Linhares:

(...) Irala não mediu esforços para fazer do Paraguai a colônia mais florescente da Espanha, dilatando-   lhe os limites até onde o vigor de seus homens o permitisse. Nos vários desbravamentos que fez,  dirigiu-se rumo ao Leste, não tardando a alcançar em 1554 as terras de Guairá, onde, segundo os  cronistas, trezentos mil guairenhos o receberam de braços abertos, em demonstração de hospitalidade  realmente rara em tais ocasiões.58                 



50 Na Introdução aos “Comentários” afirma-se que o avô de Cabeza de Vaca,  “Pedro de Vera, morto em 1500, foi o conquistador das ilhas Canárias e um dos heróis da reconquista de Granada”- Cabeza de Vaca- “Naufrágios ...”, op cit, p. 17
51 “Aportes de Benjamín Velilla...”, op cit, p. 70
52  Id., ibid., p.109-110. Segundo consta na obra do padre Jurandir Coronado Aguilar, o termo Guairá vem de Guay= “gente” e Ra= “lugar onde abunda”. Também consta aí que a estimativa de sua população varia de 200 mil  (Bartomeu Melià) a 300 mil (J.A. Barendse) (cf Aguilar, Pe. Jurandir Coronado--  “Conquista Espiritual. A História da Evangelização na Província Guairá na obra de Antônio Ruiz de Montoya, S.J. (1585-1652)”. Editrice Pontifícia Università Gregoriana. Roma, 2002- p. 132)
53 Id., ibid., p. 69
54 Id., ibid., p. 74
55 Id., ibid., p. 70
56 Id., ibid., p. 69
57 Cabeza de Vaca-- “Naufrágios...”, op cit, p. 25-26 (Introdução).  Bueno afirma aí que o processo contra o ex-“adelantado” continha trinta e seis acusações, “grande parte das quais sem fundamento algum, conforme a opinião da absoluta maioria dos historiadores”.  Vasconsellos indica as razões seguintes para a sua destituição do poder:  “Las privaciones que hizo pasar a sus subalternos (na expedição  referida acima) y el altanero trato que tenía para con ellos favorecieron la subversión que secretamente alentaba Irala para recuperar el mando recibido de Ayolas. Una vez de vuelta, fue apresado Alvar Nuñes por los partidarios de Irala. Se le remitió a España bajo la acusación de que se hacía tratar como el Rey de estas tierras” (Vasconsellos, Victor Natalicio-- “Lecciones...”, op cit, p.49). 
58 Linhares, Temístocles-- “História Econômica do Mate”. Rio de Janeiro: José Olympio Ed, 1969- p.7. Mais adiante, o mesmo autor afirma o seguinte: “Anteriormente à vinda dos jesuítas, possuíam assim os espanhóis treze pequenas colônias abaixo e acima dos saltos das Sete Quedas, organizadas sob a forma de mitas, além das três  grandes de Ontiveros, fundada esta nas proximidades da confluência do rio Iguaçu com o Paraná, em 1554, por Garcia Rodrigues de Vergara, primeira povoação efetiva de europeus fixada em território hoje paranaense, segundo o historiador Romário Martins; de Ciudad Real del Guairá, fundada em 1557 próxima à foz do Piquiri, por Ruy Dias de Melgarejo e ordem do Governador Irala, quando pela segunda vez no governo de Assunção; e de Vila Rica del Espírito Santo, fundada em 1576, onde havia cem brancos e 150 mil índios guaranis e gualachos, primeiro a duas léguas da barra do Ivaí e depois transferida para a foz do Corumbataí.” (Id, ibid., p.19). Linhares afirma ainda que na parte ocidental do rio Paraná havia outras mitas e possivelmente também yanaconas, mais antigas, consistindo estas nas duas classes de encomiendas. Na primeira, os índios prestavam serviços ao encomendero durante dois meses por ano, enquanto na yanacona, a prestação de serviços era perpétua, cabendo aos donos a “obrigação de alimentar aos encomendados, de educá-los na religião cristã, de ensinar-lhes os ofícios e de cuidar dos anciãos e enfermos” (Id., ibid., p. 18). 

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