A
experiência do Guairá
Maquete da redução de Santo Inácio no Museu Paranaense (foto: Zig Koch) |
Acabamos de ver, sinteticamente, as principais características sócio-econômicas, políticas e culturais das reduções, de uma forma geral. Era o modelo que, talvez, já estivesse na mente dos padres que as fundaram no Guairá. Até que ponto, porém, esse modelo se verificou na prática, relativamente às reduções que se estabeleceram no atual território paranaense? É difícil dizer... A julgar pelos estudos disponíveis sobre o Guairá seria o caso de perguntar: as fontes primárias não permitiram uma caracterização mais precisa das vilas espanholas e das reduções jesuíticas do Guairá? Ou tais fontes permitiriam isso, desde que fosse dado aos pesquisadores todo o apoio necessário, viabilizando-lhes inclusive a consulta aos arquivos no exterior relacionados aos domínios coloniais do império espanhol e à atuação aqui da Companhia de Jesus?
Com relação
aos vestígios arqueológicos existentes, certamente há necessidade de se
ampliarem as pesquisas sobre eles. Um problema aqui é a precariedade do
material utilizado nas construções em taipa (argila e madeira, em vez de pedra,
como ocorreu em outras regiões) que não favorece a preservação das evidências
concretas das reduções. Agrava esse problema a não adoção, pelas autoridades
governamentais, de uma política de proteção do patrimônio histórico-cultural,
que contribui para o desaparecimento de tais evidências, quando elas existem...
É preciso separar o modelo ideal das
reduções-- definido a partir da generalização da sua sesquicentenária
experiência histórica -- de como elas efetivamente se apresentaram no Guairá,
que constitui o início dessa experiência (os seus primeiros vinte anos).
Nesse
sentido, os estudos de Chmyz apontam, a meu ver, para o caminho mais
conveniente a ser seguido, em que se alia a investigação histórica à pesquisa
arqueológica em território paranaense. Chmyz identificou quinze reduções
estabelecidas em tal território, junto aos seus principais rios, localizando-as
provisoriamente, até que se aprofundem as pesquisas 164. São as relacionadas abaixo (e referidas nos
mapas nºs 5 e 6). Ao lado do seu nome, incluí, sucintamente, as informações
mais relevantes sobre cada uma delas, extraídas do trabalho citado de Chmyz, quando
não mencionada outra fonte, que complementa tais informações:
1. Nossa Senhora de Loreto- fundada em 1610 pelos
padres José Cataldino e Simão Maceta à margem esquerda do rio Paranapanema,
pouco adiante da foz do rio Pirapó; população: 2.000 índios; município de
Itaguajé. Em pesquisas no local, Chmyz constatou restos das paredes de taipa,
cacos de telhas goivas “que outrora cobriam as habitações, além de
fragmentos de recipientes de barro, utilizados pelos seus moradores desde 1610” (p.78)
Os padres tomaram a Virgem de Loreto
para padroeira da primeira redução fundada no Guairá. Os jesuítas têm especial
devoção por ela, assim como os dominicanos a têm pela Virgem do Rosário. Loreto
é nome da cidade italiana onde se localiza um santuário que lhe é dedicado.
Segundo a tradição, para o mesmo local foi transferida, em 1294, a casa de Nazaré, em que Maria viveu durante
a sua gestação. Trata-se de um dos principais santuários marianos europeus,
juntamente com o de Lourdes na França e o de Fátima em Portugal. Consta
que, quando a nau de Colombo esteve em perigo, ele prometeu enviar um peregrino
a Santa Maria de Loreto. Nos séculos XVI e XVII era um importante ponto de
peregrinação dos católicos 165.
O padre Nicolás del
Techo, S.J. em sua “Historia de la
Provincia del Paraguay de la Compañía de Jesús” afirma que nas margens dos rios
“Tibajiva, Pirapó e Parapaná” havia vinte e três aldeias de índios e que
os missionários lograram convencer os índios que se agrupassem em um dado lugar
porque
reunidos de esta manera podrían ser catequizados com más facilidad que
dispersos y diseminados en un vasto
territorio (...); además, les sería más fácil la recepción de sacramentos. Prometían los padres a los
indios, si persistían en lo ofrecido, defenderlos de cuantos quisieran oprimirlos. Muchos se trasladaron a Loreto, y
como eran más de los que allí podían vivir, a petición del cacique Aticaí se fundó otra
población (...); tanto ella como su templo, fueron consagrados a San Ignacio 166.
Continua o padre Techo,
afirmando que os índios nas reduções “eran protegidos por los padres, quienes
se apoyaban en la autoridad Real, como también en la del gobernador y obispo”.
Quando um “comisionado regio” chegou ao Guairá, diz ele, o padre
Cataldino foi ao seu encontro para solicitar que “prohibisse terminantemente
que los espanõles de las ciudades situadas en el Guairá llevasen a éstas (...)
os indios de las tierras que atraviesan el Parapaná, el Pirapó, y el Itanguí y
el Tivajiva, encomendando las reducciones únicamente a los padres de la Compañia ” (p.199)
O padre Techo também se refere a Loreto em seu livro
ao relatar a visita que lhe fez o provincial Pe. Nicolás Durán:
Fue
muy bien recebido por los neófitos, quienes em su honor hicieron regatas (=
competições de embarcações
leves) al sonido de flautas, acompañadas del canto; todo el río estaba cubierto
de canoas. Lleváronlo después a
la iglesia, la qual habían adornado primorosamente, de tal suerte, que el provincial quedó admirado y manifestó que el ver aquello
compensaba las molestias del viaje. Los indios
del pueblo de San Ignacio, cuyo rector era el padre Cataldini quisieron por
emulación tributarle mayores
homenajes 167.
2. Santo Inácio Menor ou do Ipaumbucu- fundada em
1610 168 pelos padres José Cataldino e Simão
Maceta “às margens esquerdas dos rios Paranapanema e Santo Inácio”, “cerca
de 30 km ,
rio Paranapanema acima, da redução de Nossa Senhora de Loreto” (p. 78),
município de Santo Inácio; foi a redução
que congregou o maior número de índios (estimativas variam de 2.000 a 6.000) 169. A partir das fontes citadas por
Chmyz, é possível afirmar o seguinte sobre esta redução que tomou por padroeiro
o santo fundador da Companhia de Jesus:
-havia ali, e em Loreto, “templos melhores que os de
Assunção” (p.78-79) com pórticos e ornamentos internos trabalhados em
cedro (fonte: provincial Diogo de Boroa) 170;
-as ruas eram bem alinhadas e dispostas em retângulos; havia uma vasta praça com igreja; um colégio
e campanário; pequenas habitações bem alinhadas, com divisões internas; forno em que se cozinhavam as telhas ali
empregadas; inexistiam obras de pedra; havia fortificação, cujo fosso profundo
circunvalava paredes de taipa (fonte:
engenheiros Keller, que visitaram suas ruínas- cf. Anexo A ao Relatório do
presidente da província Pádua Fleury- 1866) (acrescento eu que
“taipa” é sinônimo
de “pau a
pique”, definido pelo dicionário Aurélio como “Parede feita de ripas
ou varas entrecruzadas e barro”);
-as estruturas da redução abrangiam 16.000 m2 numa área total
de 219.000 m2 ;
havia ali uma grande praça central; dois quarteirões de cada lado,
quadrangulares, em que se situavam habitações, retangulares e ligadas entre si;
na face norte da praça localizava-se a igreja, que media 42,50 m de comprimento por 22,50 de largura,
acessada “por duas largas portas laterais e outra frontal” (p.80); nos
fundos e na face lateral direita estavam
o cemitério e a capela; havia um forno para a queima das telhas goivas; as ruas
eram retas, medindo 17 m
de largura; em torno da redução havia uma fortificação com 900 m de extensão (fonte:
pesquisas de Oldemar Blasi).
Sobre Santo
Inácio, a carta
ânua do padre Montoya dirigida em 1628 ao provincial da Companhia de Jesus incluiu observações
interessantes, assim sumarizadas por Cortesão:
(contava) “1000
índios de matrícula e mais 1500 comungantes”; (...) “grandes progressos em
música; um clérigo de S.Paulo, que por ali passou ficou maravilhado com a
música que ouviu, e apesar de a ter boa na sua terra levou alguma música
consigo”. 171
O padre Techo faz o seguinte balanço
das conquistas alcançadas nas reduções de Loreto e Santo Inácio-- as últimas a serem abandonadas no Guairá--
quando trata da emigração forçada de sua população, face ao ataque iminente dos
paulistas:
Estas dos
reducciones, fundadas veinte años antes, habían aumentado su población de tal
manera, gracias al celo de los religiosos, que muy bien se podían
comparar a las poblaciones creadas por los españoles. Sus iglesias eran más
suntuosas y mejor adornadas que las del Tucumán y Paraguay. El padre
Juan Vaisseau, nacido en Bélgica, instruyó a los neófitos en el canto y la música, em cuyos ejercicios no se diferenciaban de
los europeos. Los costumbres y maneras de los indios era tan cultas como las de los pueblos
civilizados. Empezábanse a propagar el ganado vacuno y otros animales domésticos, llevados por los
jesuitas desde doscientas
leguas. Era abundante la cosecha de algodón, y tanto
que no solamente tejían los indios sus vestidos con ella, mas vendían parte a los españoles; cultivábanse además otras plantas.
Todo esto era uma rémora (= impedimento,
empecilho) para que los neófitos
emigrasen, puies consideraban que a la abundancia sucederían en breve tiempo, con el destierro, la miseria y escasez 172.
Segundo ainda Techo, deve-se ao
padre Juan Vaisseau, que viveu seis anos
em Loreto, a fundação de escolas de música em várias reduções do Paraguai.
Antes de se dedicar ao trabalho missionário, esteve vinculado ao teatro de
Alberto de Áustria e de Isabel Clara Eugênia, merecendo o aplauso destes. Quando Loreto foi atingida
pela peste, Vaisseau, que cuidava da igreja e de enterrar os mortos, chegou a
sepultar 60 índios num só dia. Ele
próprio morreu no Guairá, aos 42 anos 173.
3. São Francisco Xavier- fundada em 1624 por alguns
jesuítas chefiados pelo padre Antonio Ruiz de Montoya “em terras de Taiati
ou Ibitirimbetá” (p.81); antecedida
por outra redução com o mesmo nome, fundada em 1622; estabelecida
definitivamente à margem esquerda do rio Tibagi; população: 1500 famílias;
município de Ibiporã.
O patrono
da redução homenageia um do primeiros membros da Companhia de Jesus,
missionário na Índia portuguesa e Japão, falecido em 1552, conforme o “Petit
Larousse”.
4. São José- fundada em 1625 pelos padres Simão
Maceta, Antonio Ruiz de Montoya e Cristóbal de Mendoza, na margem esquerda do
rio Tibagi, nas terras de Tucuti; população: 500 índios; comunicava-se com
Santo Inácio Menor por um caminho terrestre, mais curto e menos perigoso que o
do rio Tibagi; estaria situada entre os municípios de Ibiporã e Sertanópolis.
5. Nossa Senhora da Encarnação- fundada em 1625 pelos
padres Montoya e Cristóbal de Mendoza “em terras de Taiati” (p.82);
devido à ameaça de fome e à hostilidade dos índios foi transferida em 1627 para
outro local, distante cerca de 60
km da redução de S. Francisco Xavier, onde sofreu
invasão dos índios “cabeludos ou campeiros” (ou coroados 174,
“pertencentes à tribo ou subtribo Guayana da Província do Guairá”)
(p.95, nota 3), “os quais acabaram sendo reduzidos” (p.83); população
indígena: 500 famílias; localizada na margem esquerda do rio Tibagi, “pouco
abaixo da foz do rio Barra Grande” (p.83), município de Ortigueira;
desfeita em 1629, face à ameaça de invasão pelos paulistas.
6. Santa Maria- “teria sido fundada pelo padre
Diego de Boroa, em 1626, nas proximidades dos Saltos de Santa Maria no rio
Iguaçu” (p.83); população indígena: 600 famílias.
Segundo
Schallenberger 175, em 1633 tal redução,
em decorrência dos ataques dos bandeirantes, seria transferida para as
imediações de Concepción, na margem ocidental do rio Uruguai, sob a denominação
de Santa Maria Maior.
7. São Paulo do Iniai- fundada em 1627 pelos padres
Simão Maceta e Montoya; população: 500 famílias de índios; região do Taiaoba;
estaria localizada “à margem esquerda do rio Ivaí, na confluência do rio
Iniai” (p.84), entre os municípios de S.João do Ivaí e Jardim Alegre;
desfeita em 1629.
8. Santo Antônio- fundada em 1627 pelo Pe. Montoya,
reunindo índios campeiros; população: 1500 índios; “estaria localizada à
margem direita do rio Ivaí, na foz do rio das Antas”, município de Grandes
Rios; destruída pelos bandeirantes em 1629.
O padre
Techo relata o caso do cacique Tataurana, que ofereceu o pretexto para o
primeiro ataque dos paulistas. Tataurana se refugiou na redução de Santo
Antônio; foi reclamado pelo cap. Simón Alvarez mas o padre Pedro de Mola não o
entregou; então Alvarez, de comum acordo
com Antonio Raposo, “jefe de los mamelucos”, atacou a redução; após esse ataque, os índios que não foram
aprisionados, fugindo para os bosques, foram levados para Encarnacão 176.
9. Sete Arcanjos de Taiaoba- fundada pelos padres
Simão Maceta e Montoya em 1627 “à margem direita do rio Corumbatai, quase
nas suas cabeceiras” (p.85), entre os municípios de Jardim Alegre e
Ivaiporã; região dominada pelo cacique Taiaoba; população de 1500 índios. “Constantes
eram os ataques de índios contrários e dos espanhóis de Vila Rica do Espírito
Santo” (p.85). Desfeita em 1629.
10.São Miguel- fundada em 1627 pelos padres Montoya e
Cristóbal de Mendoza reunindo índios campeiros; “estaria localizada à margem
esquerda do rio das Cavernas, um pouco acima de sua confluência com o rio
Tibagi” (p.85), município de Tibagi; desmantelada em 1629.
Diz o padre
Techo que, temendo a investida dos mamelucos, S. Miguel se esvaziou: seus índios também foram
recomendados a ir para Encarnacão (a intenção era resistir aí). Os mamelucos entraram em S. Miguel e a encontrando
sem gente, irados, exploraram os arredores por espaço de quatro léguas,
escravizando os índios que conseguiram encontrar 177.
11.São Pedro- teria sido fundada em 1627 pelo
padre Montoya “em terras dos índios 'gualachos, gualacos ou guaianases',
talvez nas nascentes do rio Piquiri” (p.85), município de Guarapuava. Chmyz
afirma que são raríssimas as referências a essa redução. Verifiquei que o padre Techo a menciona, afirmando que
S.Pedro foi fundada pelo padre Cataldino, a mandado do padre Montoya, na terra
dos “ferozes” gualacho. Techo afirma também que ela foi destruída pelos
mamelucos. Localizava-se a cinco dias de caminho de Conceição, citada abaixo 178 .
12.Conceição de Nossa Senhora dos Guanhanhos (ou do
Guayaná)- fundada, entre 1627 e 1628, pelos padres Montoya e Díaz Taño nas
terras desses mesmos índios (Guayaná), cuja língua “era diferente da guarani” (p.86); a redução “estaria localizada
nas cabeceiras do rio Piquiri” (p.86),
município de Pitanga.
Carta ânua
do padre Montoya já referida acima, incluída em “Jesuítas e Bandeirantes no
Guairá”, afirma que essa redução foi fundada junto das minas de ferro 179.
Segundo o
padre Techo, após os primeiros ataques dos paulistas, a população das reduções
de Arcanjos, S. Tomé e Jesús-Maria (números 9, 13 e 14 no mapa nº 6) decidiu
emigrar, fugindo deles. O provincial mandou encaminhá-los “a los alrededores
de una famosa catarata que hay en el Guairá” (cataratas do Iguaçu) pois em caso de
necessidade poderiam se refugiar nas reduções do rio Paraná. Os índios então,
com os padres, partem para tal local, atravessando as terras dos gualacho,
perseguidos pelos mamelucos. A redução de Conceição, ao contrário da de
S.Pedro, não é destruída por estes, temerosos dos gualacho, que por serem de
caráter feroz, turbulentos, não serviam para escravos. O que os mamelucos
queriam, na realidade, era apoderar-se dos guarani em fuga, acompanhados dos
padres, para aquele local próximo das cataratas 180
.
13.São Tomé- fundada pelo padre Montoya em 1628;
próxima à Vila Rica do Espírito Santo, no rio Ivaí, “A verdadeira posição de
São Tomé é bastante confusa: alguns a colocam no médio rio Ivaí, outros, como
achamos mais plausível, a assinalam à margem direita do rio Corumbatai, no
município paranaense de Jardim Alegre” (p.86) (essa opinião de Chmyz é
coerente com a afirmação do padre Techo de que S.Tomé localizava-se entre
S.Paulo e Arcanjos 181,
números 7 e 9 no mapa nº 6). Desfeita em 1629.
14.Jesus-Maria- fundada em 1628 pelo padre Simão
Maceta, por determinação de Montoya; estabelecida em terras do cacique
Guiravera; arrebanhou cerca de 2000 índios; importante economicamente pois em
seus arredores havia muita erva-mate; sua localização é problemática; alguns mapas antigos a localizam no
médio Ivaí (também Jaeger e Schallenberger, acrescento
eu- v. mapas nºs 7 e 8 ). Diz Chmyz: “verificando-se
a descrição dada por vários jesuítas em suas Cartas , Autos, Informes etc, e o movimento
das bandeiras paulistas quando do ataque às reduções, devemos colocá-la nas
cabeceiras do rio Ivaí, no atual município paranaense de Prudentópolis”
(p.87). Desmantelada em 1629, após ataque dos bandeirantes.
15.Ermida de Nossa Senhora de Copacabana- referida
pelo padre Montoya; localizada no vale do rio Piquiri; município de Ubiratã (o
padre Techo não a menciona, acrescento eu).
Conforme se
depreende das informações apresentadas, as reduções incluíam também índios não
guarani, i.e. os guaiana, hoje chamados caingangue (caso das reduções de
Encarnação, Santo Antônio, S. Miguel, S. Pedro e Conceição, números 5, 8, 10,
11 e 12 no mapa nº 6, estabelecidas às margens dos rios Tibagi, Ivaí e Piquiri
(ou em suas nascentes, caso de S. Pedro), na hipótese de localização proposta
por Chmyz.
Esse autor
refere-se ainda ao Tambo, uma
mina de ferro, outro estabelecimento que
existiu no Guairá e que “estaria relacionado aos espanhóis de Ciudad Real e
Vila Rica” (p.88). Suas pesquisas
permitiram identificar escórias na região, “que atestavam a prática
rudimentar de fundição de ferro” (p.88), porém ainda não era conhecida a
localização precisa de tal mina. Afirma que talvez o Tambo se situasse no
município de Campina da Lagoa.
Sobre o
Tambo afirma Gadelha: “No Guairá ficava também situada a mina
de ferro do Tambo, uma das grandes fontes de riqueza dos guairenhos.
Encontramos poucos documentos a respeito da mina, mas acreditamos que até a
destruição desta Província, pelos paulistas, tenha ela contribuído no suprir
grande parte das necessidades locais de ferro”182.
Houve ainda
muitas aldeias de índios “apalavrados” que o ataque dos bandeirantes impediu se
transformassem em novas reduções.
Lugon
menciona um edito régio de 27 de julho de 1627 que indicava a existência nessa
data de quatorze reduções no Guairá. Segundo esse autor, como já foi dito, os
jesuítas só consideravam as reduções efetivamente fundadas “no momento em
que elas estavam consolidadas e em estado de pagar imposto” 183.
É possível
extrair-se da “Conquista Espiritual” algumas observações sobre as reduções do
Guairá, embora na maioria das vezes elas não estejam individualizadas, por
redução. Não há no livro uma abordagem sistemática de cada uma das treze
reduções que Montoya diz ter havido no Guairá. Ocorrem todavia algumas
exceções. Assim, num dos inúmeros episódios extraordinários relatados
por Montoya (neste caso, o ruído
constante na igreja cheia de gente que
perturbava o sermão dominical é atribuído à atuação do diabo), obtém-se
indiretamente a informação de que a igreja de Loreto tinha uma
capacidade superior a 2.000 pessoas 184. Deve referir-se à igreja nova de Loreto pois
Montoya menciona também uma “igreja velha”.
Entre esta e a nova havia “uma
cruz formosa, com três escadas a seus pés” (p. 85). Em outro caso narrado pelo jesuíta-- sempre
com a intervenção do maravilhoso, mas que não o invalida como fonte de
informação sobre as condições concretas da redução em questão-- ele se refere à porta principal e outra porta
da igreja de Loreto bem como à praça (p. 87). Mais adiante, narrando outro
caso, o autor informa, nesta frase, que a casa dos padres era ligada à igreja:
“vi entrar na igreja, pela porta que dá em nossa casa, um índio de boa
estatura (...)” ( p.91)
Relativamente às igrejas de Loreto e
Santo Inácio, a “Conquista Espiritual” faz duas breves referências interessantes,
no capítulo em que Montoya
está empenhado em descrever os preparativos para a mudança dessas duas
reduções, face ao iminente ataque dos bandeirantes. Ele se refere a elas como “igrejas
tão lindas e suntuosas” (p.151) cujas portas destacavam-se pelo “lavor e
formosura” (p.152). Certamente aqui também ocorria aquilo que Montoya salientará com relação ao cacique que
exercia o ofício de carpinteiro numa redução do Tape: o emprego da “sua
capacidade artística no adorno da igreja” (p.251).
No livro há ainda uma menção
expícita à redução de S. Francisco Xavier. Diz Montoya que o Pe. José Cataldino, o Pe.Diogo de Salazar e
ele próprio, deixando para trás outros quatro padres encarregados de atender as
reduções de Loreto e Santo Inácio, avançam para uma nova “província de
gentios”. Os dois índios que os auxiliavam e seguiam na frente acabam sendo devorados pelos
selvagens dessa região. Os padres também correram esse risco mas foram salvos
pela intervenção de um cacique amigo, que convenceu os índios da região a
aceitá-los. Fundam assim, segundo Montoya, a redução de S.Francisco Xavier que,
em poucos meses, já alcançava 1500 “vizinhos” ou moradores (p.96).
Posteriormente,
Montoya e o recém-chegado Pe. Cristóvão de Mendoza avançam pela “província de
Tayati”, “uma terra muito áspera e cheia de selvas, habitada por gentios da
mesma nação e língua que a anterior ou
passada” (i.e., S. Francisco Xavier) (p.97). Os padres, vestindo sotaina
preta, sempre levavam consigo uma grande cruz, de 2 varas de comprimento
(equivalente a 1,66 m )
(p.97). São bem recebidos ali, o que é explicado, segundo Montoya, pela
tradição de S. Tomé (para eles, “Pay Zumé”), um dos apóstolos de Cristo, que
teria visitado a região e previra a vinda dos sacerdotes. Fundam por isso uma
nova redução “que se tornou a escada para outras” (trata-se certamente
de Encarnação) (p.98).
Montoya
afirma que após a fundação de cinco “povoações” (três nominadas-- Loreto,
Santo Inácio e S.
Francisco Xavier-- e duas
não, provavelmente S. José
e Encarnação) passam para
a “província de Taiaoba”, este o nome de um cacique importante dessa região
(p.123), de difícil penetração, ocupada por índios bravios, antropófagos. Só na
terceira entrada que fazem nela os padres são bem sucedidos. Conseguem atrair o
cacique Taiaoba para o seu lado, o qual chega inclusive a batizar-se. Com isso,
todo o território sob sua influência é conquistado “espiritualmente”.
Estabelecem aí então a redução de Sete Arcanjos, com cerca de 1500
famílias. Tomam por padroeiros esses “príncipes
da milícia celeste” (p. 136-137 e p.151).
Depois dos padres serem rechaçados duas vezes no Taiaoba, os espanhóis
de Vila Rica se mobilizam para vingar essa afronta feita a eles, organizando
uma expedição de 70 espanhóis e 500 índios aliados. Mas os padres são contra
ela. Trata-se, na sua opinião, de mero
pretexto. O verdadeiro objetivo deles, segundo Montoya, é “voltarem
carregados de índias e muchachos para seu serviço, pois é este o interesse
ordinário de suas entradas” (p.132). A expedição efetiva tal entrada na
região porém acaba levando a pior, dada a superioridade numérica dos
adversários, e não consegue capturar índios, retornando a Villa Rica.
Montoya é
preciso quanto ao número de reduções consolidadas no Guairá: “Todas as povoações
que naquelas províncias fundamos atingiram a treze” (p.139; cf também p.
148). Nessas reduções, “Todos os domingos celebravam-se as missas com canto
de órgão e com instrumentos musicais muito bons” (p.140).
Antes das
invasões dos bandeirantes, essas “treze” reduções do Guairá existiam
simultaneamente a outras doze, estabelecidas mais ao sul do continente, às
margens (direita e esquerda) dos rios Paraná e Uruguai, nos territórios atuais
do Paraguai, Argentina e Brasil (cf. mapa nº 9). São as seguintes, com os respectivos anos de
fundação 185:
1) rio Paraná: S.Ignacio Guazu (1611 ou 1612), Encarnación
de Itapuá (1615), Natividad de Ntra. Sra
de Acaray (1619), Corpus Christi (1622) e Santa María del Iguazu (1626)
2) rio Uruguai: Concepción (1619), S.Javier (1626),
S.Nicolás (1626), Yapeyu (1627), Candelaria (1628), Assunción del Yjuhi (1628)
e Todos los Santos del Caaró (1628)
164 Chmyz,
Igor-- “Arqueologia e História...”, op cit, p.76-89, p.91 e p.95 (nota 3). O mapa da p.70, que
consta nesse estudo, publicado em 1976, e o que consta em “Contribuição
arqueológica...”, op cit, entre as p.78 e 79, foram incluídos nesta monografia
como mapas nºs 5 e 6. O mapa do estudo de Chmyz de 1963 é o que integra o
“Atlas Histórico do Paraná”- 2a ed, rev. e ampl., Curitiba: Chain,1986, p.35 e
o “Atlas do Estado do Paraná”, Curitiba: Governo do Paraná/Universidade Federal
do Paraná, 1990, p.31 (como se vê, não se avançou nada desde então!). O mapa do primeiro estudo citado de Chmyz
(mapa nº 6) apresenta algumas diferenças com relação àquele que consta em “O Guairá e o espaço
missioneiro” de Erneldo Schallenberger, op cit, p.84 (mapa nº 8). As diferenças
referem-se à localização das reduções de Encarnacão, S.Pedro, Jesus-Maria,
Santo Antônio, Conceição, Arcanjos e S.Tomé. Além disso, Schallenberger não
cita a redução de Copacabana nem a de Santa Maria (esta por pertencer á região
do Paraná e não à do Guairá). Embora o número total de reduções seja o mesmo
que o de Montoya, a composição de suas treze reduções pode não
coincidir com a do jesuíta peruano, se as treze reduções de Montoya forem as
mesmas que figuram no mapa do padre José Sánchez Labrador, de 1780, reproduzido
em “Conquista Espíritual”, op cit, p. 148, como deixam implícito os
organizadores de sua edição em português. Labrador inclui nas treze reduções
Copacabana e Tambo enquanto Schallenberger, em vez dessas duas, inclui
Conceição e S.Pedro.
(acessados em 25.05.2009)
166 Techo, Nicolás del--
“Historia de la Provincia
del Paraguay de la Compañía
de Jesús”. Versión del texto latino por Manuel Serrano y Sanz. Prólogo de
Bartomeu Melià, S.J. Asunción: Centro de Estudios Paraguayos Antonio Guasch/
Fondec, 2005 (a edição original é de 1673)- p. 199
167 Techo, Nicolás del--
“Historia...”, op cit, p. 397
168 Para Schallenberger o ano de fundação é 1611- cf “O
Guairá...”, op cit, p.67
169 Os números relativos à população
das reduções do Guairá apresentados por Lugon são bem superiores aos de Chmyz.
Cf adiante as considerações do primeiro a respeito do tema.
171 Cf.
documento XL in “Jesuítas e Bandeirantes no Guairá”, op cit, p. 259 e seg, e p.
454
172 Techo, Nicolás del--
“Historia...”, op cit, p. 506
173 Id.,
ibid., p. 363-365
174
Segundo o padre Techo, os coroados, que viviam em “dilatados campos”
eram assim chamados porque deixavam crescer os cabelos até os ombros e os
raspavam na parte superior da cabeça, como os frades (cf. “História...”, op
cit, p.418)
175 Schallenberger, Erneldo-- “O
Guairá...”, op cit, p. 108
176 Techo, Nicolás del-- “Historia...”, op cit, pp.
469-471
177 Id., ibid., p. 471-472
178 Id., ibid., p. 481e 504
179 Cf. “Sumário” de Cortesão relativo ao documento XL in “Jesuítas...”, op
cit, p.457
180 Techo, Nicolás del-- “Historia...”, op cit, p.
502-504
181 Id., ibid., p. 448
182 Gadelha, Regina Maria A.F.-- “As Missões...”,
op cit, p.168
183 Lugon, Clóvis- “A República...”, op cit, p.
40
184 Montoya, Pe. Antonio Ruiz--
“Conquista...”, op cit, p. 84. Na sequência, as citações das páginas dessa obra
constarão do próprio texto, e não nestas notas.
185 Os
dados foram extraídos do mapa de J.J.
López que consta em “Conquista Espiritual”, p. 202, reproduzido aqui como mapa
nº 9; a data de fundação de S.Ignacio
Guazu foi acrescentada por mim, baseado em C. Lugon-- “A
República...”, op cit, p.35-36, nota 11. Posteriormente ao ataque dos paulistas às reduções do
Guairá surgiriam as do Itatim, em 1631, e do Tape, entre 1632 e 1636 (cf. Schallenberger,
Erneldo-- “O Guairá...”, op cit, p.103, e a legenda original do mapa de
J.J.López).
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